A pandemia do COVID 19 tem trazido grande impacto no mundo do trabalho, de forma objetiva e de forma subjetiva.
O impacto objetivo veio principalmente com o isolamento social, que se tornou a principal medida de proteção, necessária a meu ver, contra um vírus contra o qual não temos remédio específico e nem vacina. Com isso, pessoas tiveram que deixar de trabalhar, perderam o emprego, passaram a trabalhar menos ou, ainda, precisaram mudar de emprego. Tem sido um caos, principalmente para os mais pobres, que devido à forte desigualdade social são os mais atingidos em tempos de crise. Tanto que a pandemia tem feito muita gente pensar sobre a nossa sociedade: por que a distribuição de renda e as condições de trabalho são tão desiguais?
De forma mais subjetiva, um dos impactos da pandemia tem sido no sentido de fazer muita gente prestar mais atenção no ‘outro’ – o amigo, o vizinho, a família, a Maria, o José … – e também prestar mais atenção em si mesmo: o que desejo? Quais são as minhas prioridades? Como gostaria de passar os próximos anos? Quais são as minhas potencialidades e dificuldades? E por aí vai …
Acredito que muitas pessoas, incluindo as que possuem um bom emprego e condição financeira, estão repensando a vida profissional, inclusive considerando a ideia de embarcar numa nova área. Afinal, as doenças, principalmente as mais sérias como o COVID 19, mostra-nos que somos seres frágeis (ao mesmo tempo muito fortes!) e que o tempo não é infinito …
Em tempos difíceis, um dos desafios é não deixar morrer os sonhos, os desejos. Se você teve que adiar planos profissionais ou reformulá-los, tente não desanimar. É claro que nem tudo depende apenas da gente. Afinal, vivemos em sociedade. Se um curso que desejávamos muito for extinto amanhã, por exemplo, infelizmente teremos que mudar os planos … e entendo que neste contexto o Governo, em todas as suas esferas, tem um papel fundamental, que é o de promover e de garantir os direitos dos trabalhadores, inclusive em momentos de crise.
Vamos lá. Para quem está realizando ou gostaria de fazer reflexões sobre a vida profissional mesmo durante a pandemia, talvez as recomendações abaixo ajudem. Mas antes, um lembrete importante: elas não substituem a ajuda profissional especializada quando esta se faz necessária.
- Tente perceber internamente o seu desejo na área profissional: profissão, local, setores, especialidades. Isso parece óbvio, mas na prática, não é! É comum ocorrer confusões entre o que a pessoa deseja e as expectativas dos outros, sobretudo quando ela tem pouco autoconhecimento. É muito bacana ouvir as ideias da avó, avô, tio, cunhada etc sobre a questão profissional, eles podem ter razão, entretanto, a palavra final deve ser sua.
- Reflita sobre a escolha profissional sem colocar limites na imaginação. “Ah, mas eu moro numa cidade com 5 mil habitantes, aqui nem curso de graduação tem, pra que vou ficar ‘gastando tempo’ imaginando?”; “E essa pandemia, sabe-se lá quando vai acabar e como o mundo vai estar depois, então para que vou gastar tempo pensando?”. Calma! Certo, na cidade aonde você mora talvez os recursos sejam limitados e talvez você não possa ou não tenha condições de mudar de cidade. E sim, junto com o COVID 19 vieram incertezas sobre o futuro, mas se você quer identificar o seu desejo, é importante imaginar a sua vida em suas mais diferentes possibilidades. Limitar a imaginação é limitar o desejo. Depois você pensa sobre a viabilidade do seu projeto profissional. Antes é importante tomar consciência da base afetiva da profissão (desejo, emoções, sentimentos).
- Desejar, sonhar, imaginar, é fundamental e muito bom, inclusive para a saúde mental, mas precisamos colocar o pé no chão e pensar no que é possível concretizar no momento. Pense sobre os passos necessários para concretizar a escolha profissional dividindo-os em três categorias: curto, médio e longo prazo.
- Pense em quais pessoas podem lhe ajudar para realizar esse projeto profissional. A ajuda, desde que feita com cuidado, com consciência e baseada no diálogo e no respeito, é bem-vinda!
- Pesquise o máximo possível sobre as características das profissões, as possibilidades de curso (ensino técnico, ensino superior, ensino tecnólogo), o mercado de trabalho e as formas de acesso (Vestibular, ENEM, etc). Afinal, como escolher algo de cuja existência nem conhecemos?? Grandes orientadores profissionais, como o psicanalista argentino Rodolfo Bohoslavsky, destacava a importância dessa pesquisa. Autoconhecimento não basta: é preciso se conectar com a realidade, com o que existe por aí. “Ah, mas eu quero ser engenheiro, já sei o que um engenheiro faz.” Sabe mesmo? Conhece os vários tipos de engenharia? Como é o mercado de trabalho para o engenheiro? Etc.
- Cuidado com a ansiedade. Em tempos de crise, fazer escolhas se torna ainda mais delicado por estarmos dentro de uma atmosfera social marcada pela tensão, preocupação e ansiedade. Essa atmosfera pode acabar ‘contaminando’ as nossas decisões. Por isso, cautela redobrada antes de tomar uma decisão durante uma crise.
- Procure conhecer como outras pessoas estão lidando com o trabalho durante a pandemia. Comparar experiências nos ajuda a olhar para a questão de outras maneiras.
- Considere as notícias acerca da pandemia em seu planejamento profissional. Se não existe previsão para ela terminar, por exemplo, considere isso. Só que cuidado com as Fake News (notícias falsas)!
- Separe um caderno como diário para anotar suas reflexões, descobertas e pesquisas sobre o campo profissional. Não misture com outras anotações. Ele não será um mero instrumento de registro. Será um espaço criativo seu, capaz de potencializar o processo de reflexão, pois quando nos expressamos por meio da arte (desenho, pintura, escrita, música, etc) o nosso mundo interior pode se mostrar de maneiras surpreendentes. O ser humano não é apenas linguagem verbal. Além disso, claro, o caderno facilita a retomada de alguma informação importante que foi esquecida.
- Talvez você tenha que mudar o seu planejamento e não há nada errado nisso. Alterações em nossos planos são quase inevitáveis. Entretanto, elas podem ser reduzidas ou antecipadas quando nos envolvemos realmente com a construção de um projeto de carreira.
- Talvez você não esteja pensando em mudar de profissão, mas fazer alterações “menores”, como, por exemplo, investir numa nova especialidade ou mudar de local de trabalho. Ainda assim, vale a pena levar com seriedade o processo. Negligenciar ou ignorar as suas insatisfações pode acabar não lhe tirando de onde está.
- O processo de reflexão é constante. Você não precisa decidir em um dia e nem sentar na mesa em frente a uma folha esperando que a resposta definitiva brotará como um passe de mágica. Agora, o fato de você se lançar à tarefa de pensar mais a respeito da vida profissional certamente fertilizará o terreno para que brotem novas sensações, emoções, ideias e reflexões.