Durante a adolescência, somente os sonhos que despertavam emoções mais fortes (e é assim para a maioria das pessoas) recebiam um pouco mais de minha atenção, “puxa, que sonho!”, até porque sonhos como esses são difíceis de serem ignorados. Mas nada além de uma atenção passageira. Eu ainda não conhecia a importância e o potencial dos sonhos.
Quando comecei a estudar a obra Carl Gustav Jung, o que ocorreu quando ingressei no Grupo de Estudos de Psicologia Analítica de Porto Velho – Rondônia, momento em que também cursava a graduação em Psicologia, passei a prestar mais atenção nos sonhos. A psicologia junguiana valoriza muito os sonhos como fonte de conhecimento sobre si mesmo e o mundo em que vivemos. A razão para essa grande valorização é, em meu entendimento, o fato de que os sonhos, justamente por serem produzidos de modo inconsciente, são capazes de ‘mostrar’ ao sonhador significados diferentes e, muitas vezes, complementares ao que está sendo pensado e sentido na consciência. Jung falava muito sobre essa capacidade complementar dos sonhos em relação à consciência.
Isso é o que mais me surpreende nos sonhos: eles trazem histórias tão interessantes e peculiares que jamais teriam sido construídas de forma consciente, à luz do dia. Claro que o ser humano tem escrito, contado e dramatizado histórias tão criativas, inspiradoras e esplêndidas como os sonhos. Entretanto, ainda assim, é impossível não se surpreender com as histórias dos sonhos: toda noite, a psique inconsciente produz histórias riquíssimas, cheias de imagens e símbolos, causando-nos maravilhamento, espanto, terror, estranheza, curiosidade … E tudo isso bastando colocar a cabeça no travesseiro!
No entanto, ‘olhar para os sonhos’, buscando compreendê-los, não é uma tarefa fácil, por várias razões. Primeiro porque temos outras atividades do dia a dia que exigem nossa energia, e a sociedade moderna infelizmente não coloca os sonhos como algo que mereça algum cuidado; em segundo lugar, a linguagem do sonho, por ser simbólica, apresentando diversos símbolos interconectados, exige muito esforço da consciência, ainda mais considerando que os símbolos possuem significados diferentes para cada pessoa, pois justamente é a vida particular do sonhador, interna e externa, que dá o conteúdo necessário para os sonhos, de forma inconsciente, claro. Ninguém planeja sonhar isso ou aquilo.
No capítulo 03 do clássico livro ‘O Homem e Seus Símbolos’, a analista junguiana Marie Louise Von Franz (1977, p. 160), partindo dos estudos de Jung, inicia apresentando os sonhos como como capazes de mostrar facetas importantes do processo de desenvolvimento psicológico de cada sonhador:
“Observando um grande número de pessoas e estudando seus sonhos (calculava ter interpretado ao menos uns 80.000 sonhos), Jung descobriu não apenas que os sonhos dizem respeito, em grau variado, à vida de quem sonha mas que também são parte de uma única e grande teia de fatores psicológicos. Descobriu também que, no conjunto, parecem obedecer a uma determinada configuração ou esquema. A este esquema Jung chamou “o processo de individuação”. Desde que os sonhos produzem, a cada noite, diferentes cenas e imagens, as pessoas pouco observadoras não se darão conta de qualquer esquema. Mas se estudarmos os nossos próprios sonhos e sua seqüência inteira durante alguns anos verificaremos que certos conteúdos emergem, desaparecem e depois retornam. Muitas pessoas sonham repetidamente com as mesmas figuras, paisagens ou situações; se examinarmos a série total destes sonhos observaremos que sofrem mudanças lentas, mas perceptíveis. E estas mudanças podem se acelerar se a atitude consciente do sonhador for influenciada pela interpretação apropriada dos seus sonhos e dos seus conteúdos simbólicos.”
Então, além de ser analisado isoladamente, os sonhos de uma pessoa podem ser analisados de forma sequencial (sonhos tidos ao longo de um período de tempo), como explicado por Von Franz, e essa análise em sequencia propicia um conhecimento interessante acerca do que está sendo desenvolvido, formado, na interioridade do sonhador, na medida em que torna possível identificar os temas que mais se repetem, as características mais presentes e como tudo isso se transforma durante o crescimento psicológico.
Mas, se você está pensando em se aproximar do tema dos sonhos, alguns cuidados são fundamentais.
Nem tudo o que é dito por aí acerca dos sonhos é, de fato, embasado em conhecimento científico.
Para ‘entender’ os sonhos, o Dicionário de Sonhos, aquele que diz o que significa sonhar com pedra, com sapo, com casa, etc, será de pouquíssima ajuda, pois os símbolos dos sonhos aparecem na vida de cada sonhador de uma maneira única, mesmo havendo semelhanças entre os sonhos de diferentes pessoas (afinal, vivemos todos no planeta terra, não é? então semelhanças são esperadas); o indicado, portanto, não é buscar um Dicionário de Sonhos, mas um profissional qualificado. Cuidado com os trabalhos que são oferecidos por aí.
Os sonhos apresentam caminhos interessantíssimos de reflexão acerca de si mesmo e da vida, só que isso não ocorre de forma “mágica”, como se o significado do sonho fosse “brotar” de repente em nossa cabeça. Jung ficava, às vezes, uma sessão inteira com o seu paciente trabalhando um único sonho.
Por fim, um último alerta. Se você está planejando estudar as teorias psicológicas existentes para compreender os próprios sonhos, sinto-muito, terei que frustrá-lo: esse estudo ajudará pouco, pra não dizer pouquíssimo, pois, além de existir limitações quando tentamos analisar os nossos próprios sonhos, geralmente apenas as pessoas que viveram uma boa experiência terapêutica de trabalho com os sonhos conseguem, um pouco, ‘olhar’ para os próximos sonhos de forma adequada. Não basta estudar os sonhos para conseguir compreendê-los. Dessa forma, o estudo científico dos sonhos serve mais ao psicoterapeuta que trabalha com os sonhos em sua clínica.
Bom, há muito mais a dizer sobre esse interessante campo dos sonhos. Quem quiser começar a estudá-lo na psicologia junguiana, recomendo a leitura do livro ‘O Homem e seus Símbolos’, escrito por Jung e outros autores. A questão dos sonhos é tratada em diversos momentos do livro, por sua importância na teoria junguiana.