Atendimento Psicológico Online: será que Carl Gustav Jung, Carl Rogers, Sigmund Freud, Burrhus F. Skinner, Fritz Perls e outros importantes pensadores da psicologia imaginaram que, um dia, o processo psicoterapêutico poderia acontecer sem a necessidade de psicoterapeuta e paciente estarem na mesma sala? Nunca saberemos todos os pensamentos que surgiram nas complexas e astutas cabecinhas de tais grandes teóricos, no entanto, acho provável que nunca tenham cogitado a possibilidade de que, em um futuro distante, a tecnologia poderia ser incorporada à psicologia com sucesso.
Então, por que só a partir do final do século XX a psicoterapia online começou a ser praticada e chamou mais a atenção? O problema não foi preguiça, falta de acesso à literatura científica ou ‘falta’ de inteligência por parte dos grandes pensadores da psicologia. Ao estudar História da Psicologia, constatamos que eles e muitos outros estudiosos da psique produziram muito, dando vastas contribuições estudadas e aplicadas até a atualidade.
Os motivos pelos quais só recentemente a psicologia ter incorporado a tecnologia em sua prática são outros. Citarei dois deles. E não foi a pandemia do COVID – 19 que provocou o nascimento da psicologia online: ela já era praticada antes.
Em primeiro lugar, entendo que a realização de atendimentos via internet não era uma necessidade social da época e nem uma questão que exigia a atenção dos psicólogos e psicoterapeutas em boa parte do século XX, até porque a internet e as tecnologias que conhecemos na atualidade ainda nem existiam! A internet só foi criada no final da década de 1960 e começou (veja, começou) a se tornar acessível à população a partir da década de 1990. Além disso, o computador e o celular igualmente são aquisições mais recentes. Na época de Jung e Freud, eles trocavam cartas entre si! Falavam de psicologia, da vida, de si mesmos e da amizade tiveram. Hoje, tem-se usando muito mais o e-mail, WhatsApp, vídeochamadas e outros recursos de comunicação. A troca de cartas se tornou uma raridade, o que, por um lado, é uma pena.
Em segundo lugar, nas primeiras décadas do século XX, as bases teórico-práticas da Psicologia ainda estavam sendo construídas, em um processo intenso de produção. Muito dos materiais que estudamos na graduação em Psicologia nasceram nesse período e permanecem vivos por sua coerência e competência, embasando práticas de psicólogos contemporâneos que, claro, também necessitam estudar materiais produzidos no século XXI para exerceram uma prática alinhada com as questões contemporâneas. Ou seja, mesmo se a internet existisse nos tempos de Freud e Jung, acredito que talvez a psicoterapia online não chegaria se tornar um grande objeto de estudo tal como é na atualidade, pois naquela época a preocupação central era a de construir as primeiras bases científica da psicologia.
Pois bem. Décadas se passaram e a psicologia, aos poucos, abriu-se para a possibilidade de que é possível realizar um atendimento psicológico de qualidade, efetivo e ético de forma online. Entretanto, muita calma nesse momento! Essa abertura da psicologia ocorreu com cautela, e com razão! Para que um bom atendimento psicológico online ocorra não basta simplesmente que o psicólogo possua computador e internet. É preciso seguir cuidados técnicos, científicos e éticos, estando preparado para tal.
Dessa maneira, depois de análises e reflexões, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) do Brasil autorizou o atendimento psicológico via internet (vídeochamada, telefone, chats e outros), o que, em minha opinião, representou um enorme avanço. Imagine as pessoas que moram em cidades que não possuem psicólogos: como elas seriam atendidas, se não de forma online? Imagine as pessoas que até moram em uma cidade que tenha psicólogos, mas que querem ou precisam de um tipo de trabalho apenas oferecido por psicólogos de outras cidades? Com os atendimentos online, os profissionais e as pessoas ganharam, sobretudo, em termos de acessibilidade ao serviço psicológico.
Basta imaginarmos como seria se não existisse a possibilidade de realizar atendimentos online em meio uma pandemia como esta que estamos vivendo, provocada pelo Coronavírus. Se não fosse pelo apoio especializado, muitas pessoas poderiam entrar em um processo de adoecimento psíquico ou altos níveis de estresse, tanto que tem surgido diversas propostas de atendimento online gratuito pelo Brasil mobilizadas por essa preocupação com a saúde mental do brasileiro durante o enfretamento do COVID – 19.
Para finalizar, um ponto fundamental: não podemos perder de vista que existem pessoas sem condições financeiras para manter um telefone, computador ou internet, de modo que o governo, para garantir um acesso mais universal ao atendimento psicológico, precisa se atentar especialmente para essa população, promovendo projetos, políticas públicas, parcerias e ações que permitam a acessibilidade.
E, ainda, existem o grupo de pessoas que até possuem condições de participar de atendimentos online, mas residem em uma casa pequena com várias pessoas, o que compromete o sigilo. Dentre outras difíceis situações que dificultam ao paciente participar de atendimentos online. Enfim, são diversas as condições de vida das pessoas, e essas condições precisam ser seriamente consideradas pelo governo e pela sociedade para que o Sistema Único de Saúde (SUS) chegue à todas as pessoas, seja presencialmente, seja online, sendo sempre muito importante lembrar que o atendimento online não é recomendado para todas as situações psicológicas – há situações em que o indicado será o atendimento presencial.
A tecnologia adentrou as nossas vidas. Se soubermos usá-la com moderação, responsabilidade e ética, pode ser uma grande aliada no cotidiano, no trabalho, na vida de uma maneira geral. Certamente a quarentena provocada pelo COVID – 19 seria mais difícil sem a tecnologia, estaríamos muito mais isolados. No entanto, fiquemos vigilantes, pois o uso excessivo ou inadequado da tecnologia pode nos tornar menos humanos e mais máquinas, e se um dia formos mais máquinas do que humanos, isso significa que falhamos como humanidade.