Sobre Escolhas Profissionais ‘Maduras’ e ‘Imaturas’

Fotografia por Bethany Legg.

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“Uma escolha madura é uma escolha que depende da elaboração dos conflitos e não de sua negação” Rodolfo Bohoslavsky, psicanalista argentino

“Sabemos que a adolescência é um momento em que esse chamado pode encontrar um terreno fértil para ecoar.” Patrícia Gimenez, psicóloga junguiana


Diante do delicado momento de escolher uma profissão, o que geralmente ocorre no período da adolescência, nem todas as pessoas possuem aquela ‘certeza interior’[1] que aponta para determinado caminho. Possuir dúvidas a respeito da vida profissional é muito comum, e não é errado e nem sinônimo de incompetência. As dúvidas fazem parte do processo normal de escolha, e não há problema mudar de profissão em algum momento da vida, se a pessoa assim desejar. O problema é quando as incertezas não são trabalhadas, quando são ignoradas, quando são ansiosamente substituídas por uma escolha profissional qualquer, o que pode provocar escolhas imaturas por terem sido pouco refletidas conscientemente. Como afirma o psicanalista argentino Bohoslavsky (1977, p. 88), que trouxe importantes contribuições para o campo da Orientação Profissional estudadas até a atualidade, “uma escolha madura é uma escolha que depende da elaboração dos conflitos e não de sua negação.”

Neste contexto, a fim contribuir com a formação da identidade profissional da pessoa diante do dilema de realizar a primeira escolha de carreira ou de uma reorientação profissional, tem-se consolidado nas últimas décadas um campo científico de pesquisa e de atuação chamado de Orientação Profissional (OP), a partir da contribuição de diversas áreas do saber, como as ciências sociais, a história, a antropologia e, principalmente, a psicologia.

Para Bohoslavsky (1977, p. 28), a psicologia tem um papel importante e específico na Orientação Profissional, cabendo privativamente ao psicólogo a tarefa de realizar “diagnóstico e solução dos problemas que os indivíduos têm em relação a seu futuro, como estudantes e profissionais, no sistema econômico da sociedade em que pertencem”. O psicólogo busca, dessa forma, lidar com a complexidade da identidade profissional, sabendo que se trata de um processo psicológico dinâmico que envolve tanto fatores internos (desejos, expectativas, interesses, emoções …) como fatores externos (tipos de profissões, remuneração, reconhecimento social …). Tomar grandes decisões não é fácil, e para algumas pessoas, em razão de sua personalidade, de suas condições externas de vida e dos complexos[2], a escolha se torna mais difícil ainda.

Considerando essa complexidade da escolha profissional e do momento pós-escolha, que é quando o indivíduo se vê em processo formação e, posteriormente, atuando como profissional, é que existem trabalhos atuais em Orientação Profissional focados na “problemática da escolha, não mais com a preocupação de encaixar em uma determinada profissão, mas focalizando o indivíduo em processo de aquisição de identidade, reconhecimento da importância da situação da escolha profissional, já que o adolescente, geralmente pela primeira vez na vida, tem de tomar uma decisão sobre a qual ele é inteiramente responsável.” (GIMENEZ, 2009, p. 41). E a decisão profissional é realmente uma grande decisão, que produz repercussões em todas os campos da vida de uma pessoa.

Sobre a Escolha Profissional na Adolescência: momento importante

Além de ser o período em que muitos realizam a primeira escolha profissional, a adolescência é um período bastante interessante por suas características de desenvolvimento, o que possibilita apresentar ao adolescente reflexões mais complexas sobre a vida. Segundo Vygotski (2006), é na adolescência que ocorrem transformações fundamentais na capacidade de pensamento, que se torna mais abstrato que o pensamento da criança. A imaginação do adolescente é enriquecida com essa nova forma de pensar, e também sua consciência, o que confere ao adolescente maior capacidade para refletir sobre si mesmo e sobre a vida, bem como para controlar sua conduta. Assim, o adolescente é mais capaz de entender conceitos abstratos e de se imaginar sob diferentes prismas do que a criança, o que é importante quando consideramos que, para escolher uma profissão de forma autônoma e responsável, é necessário se imaginar nas diferentes profissões, reconhecer os aspectos psicológicos e sociais envolvidos na escolha de uma profissão e, ainda, lidar com outras complexidades.

Para Bohoslavsky (1977), é importante que o adolescente seja estimulado e incentivado em sua capacidade de escolha, exercitando a autonomia, consciência e responsabilidade. Não é a escola, nem a família, e nem terceiros que devem determinar o caminho profissional que o adolescente deverá seguir. É ele mesmo que fará isso, mas se estiver sozinho, se não puder contar com pessoas que consigam oferecer suporte e ajudá-lo a refletir a respeito, aumentam as chances de se sentir angustiado e realizar uma escolha imatura.

Um exemplo seria o adolescente que escolhe determinada profissão por medo de desagradar os pais, por medo de ser criticado pelas pessoas e, no meio do caminho, percebe que escolheu erroneamente … Bohoslavsky (1977, p. 53) destaca que a escolha profissional é complexa, sendo importante para o jovem receber o máximo possível de apoio em sua jornada: “para um adolescente, definir o futuro não é somente definir o que fazer, mas, fundamentalmente, definir quem ser e, ao mesmo tempo, definir quem não ser.” Nesse sentido, Gimenez destaca o tamanho deste desafio (2009, p. 211): “Acredito que aprender a escolher é a questão básica do adolescente. É uma tarefa heroica: sair em busca do próprio destino.”

Diante dessa complexidade da tarefa escolher, principalmente na adolescência, que é quando outros desafios importantes se apresentam ao mesmo tempo, como o de definir a própria identidade pessoal e de viver a sexualidade, a psicologia desenvolveu estudos, técnicas e teorias que buscam facilitar o processo de escolha, e não se trata de apenas informar o adolescente acerca dos cursos existentes, do mercado de trabalho e das características do vestibular. Em seus estudos, pesquisas e trabalho como psicólogo, Bohoslavsky (1977) percebeu que ‘encher’ o adolescente de informações não é suficiente, e o mesmo tenho observado em meu trabalho clínico com adolescentes e adultos. A Orientação Profissional vai muito além, abarcando a questão do autoconhecimento: conhecendo mais a si mesmo, o adolescente – ou adulto – poderá realizar uma escolha profissional que considere seus interesses, expectativas, desejos e necessidades, e que não seja ‘atrapalhada’ por conflitos, ansiedades, medos e preconceitos.

Ou seja, conhecer o máximo possível de como a vida profissional funciona, suas características e possibilidades, é muito útil, mas todo esse conhecimento adquirido não garante uma escolha adequada se os conflitos não forem trabalhados e se a pessoa permanecer inconsciente acerca de aspectos fundamentais de seu mundo interno, que variam de pessoa para pessoa. Quando há uma pedra no caminho, se estivermos desatentos corremos o risco de tropeçar e cair no chão!

REFERÊNCIAS

BOCK, S. D.  Orientação profissional para as classes pobres. São Paulo: Cortez, 2010.

BOHOSLAVSKY, R. Orientação Vocacional: a estratégia clínica. 7 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

GIMENEZ, P. Adolescência e escolha: um espaço ritual para a escolha profissional através do sandplay e dos sonhos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009.

VYGOTSKI, L. S. Paidologia del Adolescente e Problemas de la Psicologia Infantil. Madrid: A. Machado Libros, 2006. Obras Escogidas (Tomo 04).

Foto usada na capa do texto: https://www.pexels.com/photo/architecture-black-and-white-challenge-chance-277593/


[1] O fato de a pessoa sentir ‘certeza’ de que determinada profissão é o seu caminho nem sempre significa que, de fato, essa escolha foi resultado de uma elaboração consciente. “Certeza demais” pode significar que a pessoa esteja com dificuldade de refletir sobre as diferentes possibilidades profissionais.

[2] O psicólogo Carl Gustav Jung destacava o papel dos complexos na vida das pessoas: composto por um ‘núcleo’ de ideias e de afetos inconscientes, os complexos, quando ativados, intervém sobre o comportamento sem que a pessoa tenha, naquele momento, autocontrole. Não é difícil imaginar o quanto um complexo pode ser devastador. Pensemos, por exemplo, num complexo muito comum, o de inferioridade, que, se não for conscientemente elaborado pelo indivíduo, o acompanhará pelo resto de sua vida, manifestando-se das mais variadas maneiras: não se sentir capaz, evitar desafios, adotar atitudes contra si mesmo, etc. Pode-se observar, dessa maneira, a interferência negativa que os complexos podem desempenhar na vida profissional de uma pessoa.

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Psicólogo (CRP 20/4130)

pela Universidade Federal de Rondônia

Mestre em Psicologia

pela mesma universidade

Em curso de formação de analista junguiano

pela SBPA Brasil

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