Sobre o livro ‘A Literatura como remédio: os clássicos e a saúde da alma’

Fotografia por Toa Heftiba.

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Há mais coisas no céu e terra, Horácio, do que foram sonhadas na sua filosofia.” Hamlet, de Willian Shakespeare.“ Todo o impulso que esforçadamente asfixiamos fica a fermentar no nosso espírito, e envenena-nos. Livro ‘O retrato de Dorian Gray’, de Oscar Wilde.

Para Gallian, os trechos acima, de Shakespeare e Wilde, não são apenas uma literatura bem escrita sobre magníficos personagens e histórias que se tornaram clássicas. Para ele, a literatura vai muito além disso: ela pode funcionar como um verdadeiro ‘remédio’ para alma. E se existe um ‘remédio’, é porque algo está doente e, segundo Gallian (2017, p. 25), é o homem contemporâneo que se encontra adoecido, pois, imerso na apressada vida moderna, cheio de afazeres e exigências, muitas vezes acaba se distanciando de si mesmo, da vida humana em sua dimensão mais afetiva e poética, rechaçando a “ficção, fantasia, sonho”…

Gallian, formado em história pela USP, se interessou pela temática da formação humanística e descobriu o poder da literatura neste contexto a partir de suas experiências como docente em universidades federais. Notou que muitos alunos de história pareciam buscar esse curso para encontrar respostas às próprias questões existenciais e sociais… Passou a trabalhar mais essas questões nas aulas, mas se surpreendeu negativamente algumas vezes: alunos passivos, acostumados à slides. Foi aí que selecionou textos ou trechos de obras Clássicas da história médica como gatilho para a discussão, o que, para sua grande surpresa…

Antes de prosseguir com a experiência de Gallian, vamos dar uma pausa e retomar o que o autor resgata de como a literatura foi tratada historicamente.

Nem sempre as narrativas, dentre elas a literatura (forma escrita da narrativa), ocuparam importância relativa na vida das pessoas. Antes, desempenhavam um papel central na estruturação das identidades individuais e culturais como, por exemplo, nas sociedades antigas, onde a educação dos jovens se baseava na “recitação de narrativas sagradas”. As histórias heroicas, repletas de exemplos de comportamentos virtuosos, são um clássico exemplo. Progressivamente, os próprios gregos inovaram: os mesmos princípios e crenças difundidos pela literatura passaram a ser submetidos à investigação racional, dando origem à perspectiva filosófica, base para o surgimento, mais tarde, da ciência tal como a conhecemos. Até que, no final do século XX, a literatura perde ainda mais força, sendo meramente considerada “como uma forma de distração, de entretenimento, útil enquanto verniz erudito, porém dispensável do ponto de vista do conhecimento e do sentido prático da vida” (GALLIAN, 2017, p. 69).

Apesar desse movimento de distanciamento da literatura como parte da vida, ela buscou resistir: por alguns, dentre eles filósofos, foi encarada como um antídoto contra o autoritarismo, o “obscurantismo religioso”, a linguagem tecnicista e, ainda, contra os males da modernidade.

Atualmente, no entanto, ainda predomina o estudo da literatura como mero exemplo de escolas literárias e artísticas, ou de movimentos ideológicos, “e não como histórias ou narrativas em si, capazes de emocionar e despertar questionamentos sobre atitudes e valores humanos” (GALLIAN, 2017, p. 79). A literatura como um caminho de humanização, de autoconhecimento e de confronto com a nossa existência, acredita Gallian. E de que maneira a literatura pode fazer isso? Mais do que ser objeto da cognição, a literatura é capaz de dialogar com a dimensão afetiva, emocional, existencial, potencialmente se configurando como uma experiência estético-afetiva. Potencialmente porque, dependendo de como é usada, a literatura meramente se torna uma experiência intelectual. Para nos humanizar, a literatura necessita ser uma experiência estética (do grego aesthesis: despertar). Despertar os afetos, os sentimentos, a vida interior. Devido ao seu potencial estético-reflexivo.

Mas como mobilizar esse potencial humanizador da literatura? Nem Gallian tinha todas as respostas e foi construindo-as em seu trabalho como coordenador de Laboratórios de Leitura (LabLei) que implementou em universidades, empresas e na comunidade (leitura em domicílio). Mas como acontecem o Lablei? Que metodologia é essa? Quais os efeitos dos LabLei em seus participantes? Vale a pena a leitura do livro de Gallian que, em uma escrita apaixonada, nos convida a experenciar a literatura de uma forma mais almada.

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A resenha acima foi baseada na seguinte edição do livro: GALLIAN, Duarte. A literatura como remédio: os clássicos e a saúde da alma.São Paulo: Martin Claret, 2017.

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Psicólogo (CRP 20/4130)

pela Universidade Federal de Rondônia

Mestre em Psicologia

pela mesma universidade

Em curso de formação de analista junguiano

pela SBPA Brasil

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